Header Ads


Veterano de quase 100 anos relembra dramas e batalhas da 2ª Guerra Mundial

        O veterano John Wenzel em seu apartamento no Brooklyn, em Nova York. — Foto/Reprodução/Michelle V. Agins/The New York Times.
 
Veterano de quase 100 anos relembra dramas e batalhas da 2ª Guerra Mundial
Publicado no JASB em 2.maio.2023. Atualizado em 30.setembro.2023.            

Grupos no WhatsApp O pesadelo abalou o idoso, que tinha perto de cem anos. Ele sonhou que estava caindo do céu. Acordou sentindo-se impotente e com medo.
-
-
Veterano de guerra, executivo da indústria automobilística, pai e avô, John Wenzel se mudara recentemente para um apartamento em Brooklyn Heights, Nova York. O Watermark, na Clark Street, é um edifício novo e luxuoso com vista para o horizonte de Manhattan.

Pouco depois ele completaria 99 anos e se tornaria o morador mais velho do prédio. Desde que sua esposa, Alice, morrera, mais de dez anos antes, ele entrara em um ritmo tranquilo, vivendo sozinho com seus discos de jazz e pintura.

Então chegaram os pesadelos, de repente, do nada. Wenzel temeu ter sofrido uma convulsão, mas seus sinais vitais estavam normais. Suas filhas adultas, Emily e Abby, também ficaram preocupadas.

A procura pela origem do problema levou Wenzel e suas filhas numa viagem de mais de 70 anos no tempo, para uma época e um lugar que ele passara toda sua vida adulta se esforçando para deixar para trás –a Segunda Guerra Mundial e os céus acima da Itália.

Emily e Abby eram crianças quando souberam que seu pai havia combatido na guerra. Elas se recordam de um dia em que a família foi à casa de sua avó e esta, demonstrando orgulho, tirara quatro caixas de um armário. Dentro delas havia várias medalhas.

"Ela queria que levássemos as medalhas para casa", recorda Abby Wenzel, que está com 63 anos. As meninas ficaram curiosas. Acharam as medalhas belíssimas. Mas a reação do pai delas foi imediato. "Ele disse ‘ganhei essas medalhas na guerra. Não as quero.’"
-
-
Lá fora

        Medalhas concedidas a John Wenzel por sua atuação na Segunda Guerra Mundial.  — Foto/Reprodução/Michelle V. Agins/The New York Times

E assim as medalhas permaneceram por décadas onde ele preferia que ficassem, guardadas longe das vistas de qualquer pessoa.

Os pesadelos de Wenzel levaram suas filhas a procurar aquelas caixinhas retangulares que tinham visto pela primeira vez na casa de sua avó. Elas levaram as caixas a seu pai, junto com algumas anotações datilografadas que ele começara a fazer em algum momento, quando finalmente começou a falar sobre o tempo em que combateu na guerra.

Os escritos começam bruscamente. No dia 7 de dezembro de 1941 uma notícia inesperada interrompeu uma partida de bridge no Lafayette College, uma faculdade da Pensilvânia. "Chegou um trem de Nova York cheio de caras como eu", escreveu Wenzel. "Me juntei a eles."
-
-
O ataque a Pearl Harbor obrigou os Estados Unidos e milhões de seus jovens a vestir o uniforme militar. John Wenzel tinha 19 anos quando se alistou e foi despachado para uma escola de voo em Miami. Ele nunca tinha subido num avião, mas emergiu em 1944 como piloto de caças e foi enviado ao front italiano para combater os nazistas. Ele pilotaria o caça-bombardeiro Thunderbolt P-47, o ocupante solitário de uma arma que pesava oito toneladas quando estava completamente carregada.

"Nunca aprendi a marchar ou bater continência, mas me converteram num bom piloto", escreveu ele.

No início de 1945 o tenente Wenzel pilotou missões diversas no norte da Itália, perto de Milão, e do outro lado da fronteira austríaca. Suas bombas destruíram vagões de trem do Eixo e um grande caminhão-tanque de gasolina diante de um depósito em Trento. Em fevereiro ele bombardeou e metralhou mais de uma dúzia de veículos do inimigo em Lienz, na Áustria. Em março ele cortou uma linha férrea e disparou foguetes contra vagões ferroviários do inimigo em Novara.

Mas isso tudo não passou de uma preparação para abril de 1945. Os combates eram intensos em terra na Itália nessa época. Os Aliados dependiam dos Thunderbolts que sobrevoavam com estrondo a região de Verona e ao longo do vale do rio Pó, ao sul de Milão.

No dia 14 de abril, Wenzel liderou uma equipe de quatro caças que estavam dando apoio aéreo a unidades em terra que avançavam sobre uma central ferroviária na cidade de Zocca. Ele acertou em cheio com suas bombas, destruindo canhões inimigos.
--
-
Então um morteiro alemão explodiu do lado de fora de sua cabine. Fragmentos do projétil penetraram seu avião, rasgando seu uniforme. Sangrando do pescoço, Wenzel lançou mais um ataque antes de levar sua aeronave gravemente atingida de volta para a base.

Suas ações naquele dia lhe valeriam uma medalha Coração Púrpura, mas antes disso Wenzel voltou a voar. "Tropas alemãs estavam de ambos os lados do rio e atacando nosso pessoal com todo tipo de armas", escreveria mais tarde. Sua equipe voou na direção de uma casa no campo que abrigava um ninho de metralhadoras.

"No primeiro sobrevoo havia muitos projéteis luminosos vindo para cima de nós, e eu fui atingido por baixo", escreveu. "A sensação era de ter sido atingido na traseira do avião."

Wenzel pediu para outro piloto voar debaixo de seu avião para avaliar os danos. Parecia estar tudo bem, informou o outro piloto, mas a cabine de Wenzel estava se enchendo de fumaça e seu paraquedas parecia ter pego fogo. Mesmo assim ele mandou mensagem de rádio aos outros pilotos para coordenar outro ataque à casa.

Um oficial lhe falou pelo rádio: "Não seja idiota, John. Vá para casa." O oficial, Joseph Dickerson, era capitão. Logo, era hierarquicamente superior ao tenente. "Mas eu não estava com um manual de disciplina militar ali", escreveu Wenzel. "Falamos para ele que estávamos nos divertindo demais para voltar."

        Fotografias de John Wenzel, que lutou na Segunda Guerra Mundial — Foto/Reprodução/Michelle V. Agins/The New York Times

A equipe atacou o alvo novamente e então, satisfeita, deu meia-volta para retornar a Pisa e sua base aérea. Mas os problemas de Wenzel estavam se agravando.

"Comecei a achar que o velho Joe tinha razão", escreveu. "O fogo já tinha consumido a maior parte do meu paraquedas, além do assento das minhas calças, e estava começando a consumir meu cinto de segurança como se fosse o pavio de um foguinho de artifício barato."
-
-
Ele não podia saltar do avião sem paraquedas, e abrir a cabine alimentaria as chamas com oxigênio. Sua única opção era seguir até Pisa. Wenzel finalmente conseguiu aterrissar, e uma equipe chegou correndo para apagar as chamas. Um médico arrancou alguns estilhaços de aço dele e o tratou com uma pomada contra queimaduras. Wenzel escreveu brincando: "Meu pedido de uma calça nova foi negado".

        
        Seca no rio Pó, na Itália, revela bomba da Segunda Guerra — Foto/Reprodução

Receber um Coração Púrpura geralmente é motivo de grande orgulho. A medalha é dada a militares que sobrevivem a ferimentos em combate. Ganhar dois Corações Púrpuras em oito dias aparentemente incluiria um homem na companhia de alguns muito poucos combatentes de muita sorte.

No início de março, pouco antes de completar cem anos, Wenzel concordou em dar uma entrevista na sala de seu apartamento. Estavam a seu lado suas medalhas. Era a primeira vez que ele as vira em décadas. Uma Cruz de Serviço Distinto da Força Aérea, uma Medalha Aérea, um Coração de Prata e seus dois Corações Púrpuras. Com a visão e a audição reduzidas, Wenzel precisou se esforçar para falar sobre por que guardou silêncio por tanto tempo.

"Não havia onde falar sobre isso. Não havia como eu me expressar." Ele olhou de soslaio para as medalhas. "Essas medalhas ficaram guardadas por muito tempo. Não tínhamos motivo para tirá-las da gaveta."
-
-
Anos atrás, sua mulher quis viajar à Itália, e em especial a Veneza. Não obrigado, Wenzel respondeu sem parar para pensar. Veneza, não. "Havia certos lugares que não podíamos bombardear ou metralhar", explicou recentemente. "Veneza era um deles."

Autorretrato feito por John Wenzel após a Segunda Guerra Mundial - Michelle V. Agins/The New York Times

Ele se recorda de sobrevoar a cidade intocável. "Soldados alemães haviam ocupado Veneza e estavam ali, curtindo o sol e o que mais pudessem em Veneza." Isso o deixava irado.

Wenzel acabou cedendo e viajou à cidade com Alice. "Ela gostou de Veneza. Eu, não."

Ele deu uma risadinha. Disse que espera que histórias como a sua ajudem a não deixar que a guerra seja esquecida. "Tenho medo de que as pessoas encarem a guerra como algo sem muita gravidade. Ela não deve ser vista assim. Mas as pessoas hoje têm suas próprias guerras, e a Segunda Guerra Mundial está encolhendo cada vez mais."

-
-
A atitude de bravata que ele demonstrou em suas anotações anos atrás –"estávamos nos divertindo demais para voltar para casa"— foi abandonada há muito tempo. Esse espaço foi preenchido pelas medalhas que passaram anos escondidas. "Descobri que eu precisava olhar para elas", disse Wenzel. Ele parou de ter pesadelos.

Folha de S. Paulo.

Tecnologia do Blogger.