Modelo de financiamento da Atenção Primária terá NOVAS REGRAS a partir de SETEMBRO - Veja mais detalhes.
Agentes de Saúde | A Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou mudanças no modelo de financiamento da Atenção Primária em Saúde (APS) em reunião realizada no dia 26 de agosto. As alterações, que ainda não foram publicadas em portaria pelo Ministério da Saúde, devem incidir sobre a metodologia de cálculo dos repasses do governo federal aos municípios instituída pelo programa Previne Brasil.
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Criado pela portaria 2.979, de novembro de 2019, o programa – criticado por entidades do movimento sanitário, como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) – alterou o modelo de financiamento da APS, criando três componentes para o cálculo do repasse financeiro federal aos municípios: capitação ponderada (que leva em conta o número de usuários cadastrados nas equipes de saúde), pagamento por desempenho (baseado em indicadores como pré-natal, controle da diabetes, hipertensão e infecções sexualmente transmissíveis) e incentivo para ações estratégicas (baseado na adesão dos municípios a programas e ações do governo federal).
Anteriormente, o repasse federal se dava por meio do PAB, o Piso da Atenção Básica, que tinha dois componentes: o PAB fixo, pago a todos os municípios brasileiros com base na população estimada pelo censo do IBGE, que variava de R$ 23 a R$ 28 por habitante; e o PAB variável, condicionado a implementação, pelos gestores municipais, da Estratégia de Saúde da Família (ESF).
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Segundo o Ministério da Saúde, as mudanças aprovadas na reunião do dia 26 da CIT devem significar repasses maiores para municípios e o Distrito Federal. Já para os críticos, as alterações aprovadas pela CIT não são suficientes para reverter os prejuízos trazidos pelo Previne Brasil, que consagrou um modelo de financiamento na atenção primária que fere o princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde, por se basear não na população total dos municípios, mas apenas naquela cadastrada pelas unidades de saúde. Há críticas ainda à uma suposta falta de transparência do governo federal e de participação das instâncias de controle social do SUS na elaboração das mudanças aprovadas, assim como no Previne Brasil como um todo, que alterou radicalmente o modelo de financiamento da atenção primária.
O que muda
Em nota enviada para a reportagem do Portal EPSJV/Fiocruz, o Ministério da Saúde explicou que a partir de agora, o cadastro de pessoas feito pelas equipes de Saúde da Família Ribeirinha, Consultório na Rua – que atende a população em situação de rua – e Atenção Primária Prisional passarão a contar no cálculo de capitação ponderada do Previne Brasil, o que segundo a Pasta deve significar aumento no número de cadastros e, portanto, de recursos repassados pelo governo federal. Antes, eram considerados apenas os cadastros das equipes de Saúde da Família e de Atenção Primária. Além disso, o Ministério anunciou que continuará pagando um valor per capita fixo por habitante aos municípios, que até agosto foi de R$ 5,95, mas cujo valor ainda será definido em portaria.
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Outra mudança é sobre o que o Ministério chama de potencial de cadastros, que leva em conta a população do município segundo o IBGE, o número de unidades de saúde presentes ali e a cobertura máxima de cada unidade, que no caso de uma Unidade de Saúde da Família, por exemplo, é de 4 mil pessoas nos municípios urbanos. “Por exemplo, se um município tem um cadastro real de 25 mil habitantes e um potencial de cadastros de 40 mil, na regra antiga, ele iria receber apenas pelas 25 mil pessoas cadastradas. Com a mudança, além de receber por elas, o município vai receber um percentual em cima da diferença entre o potencial e o cadastrado”, explicou a nota enviada pela assessoria do Ministério da Saúde. Esse percentual, segundo a Pasta, deve variar entre 10% e 50%, de acordo com a tipologia do município segundo o IBGE, como por exemplo se o município fica na zona urbana ou rural, e deverá ser detalhado na portaria que tornará oficial as mudanças no Previne Brasil, que até o fechamento desta matéria não havia sido publicada.
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Já o pagamento por desempenho, que não foi implementado por conta da pandemia de Covid-19, foi prorrogado até dezembro de 2021, o que significa que os municípios continuarão recebendo o valor total desse componente. “Nos próximos meses, o Ministério da Saúde estará em diálogo com Conass [Conselho Nacional de Secretários de Saúde] e Conasems [Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde] para as últimas definições com relação ao pagamento por desempenho, antes da implementação, prevista para o início do ano que vem”, afirma a nota do ministério.
Problemas persistem
Assim como em 2019, quando foi divulgada a portaria que criou o Previne Brasil, representantes do controle social do SUS alegam que falta diálogo do Ministério com as instâncias de participação social na elaboração das propostas de mudanças no modelo de financiamento da atenção primária. Segundo Shirley Morales, conselheira do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em 2019 o CNS chegou a mandar um ofício ao Ministério da Saúde solicitando que o governo enviasse ao conselho documentos que embasassem tecnicamente as mudanças em discussão antes que elas fossem aprovadas na CIT, o que não aconteceu. “Segue o mesmo modus operandi: o Ministério não tem dialogado com o controle social em nenhuma esfera. Nenhuma política, estratégia ou ação que o Ministério tenha implementado nos últimos anos foi discutida com o controle social. E dessa vez não foi diferente”, denuncia Shirley, que é presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros.
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A economista Mariana Alves Melo, doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e assessora técnica do Conselho de Secretários Municipais de São Paulo (Cosems-SP), por sua vez, pondera que as mudanças anunciadas passam ao largo de solucionar os problemas estruturais do Previne Brasil. “Ele continua um modelo de alocação que vai fomentar uma atenção médico-centrada, muito enraizada no gerencialismo, no qual as equipes de saúde se ocupam de cadastros, se ocupam de inserção de informação no sistema e pouco sobra tempo para o cuidado de fato, visando o território”, avalia.
Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz), Ligia Giovanella concorda, e postula que o fim do incentivo à Estratégia de Saúde da Família é um dos principais aspectos dessa guinada. “O Previne Brasil extinguiu a prioridade para a Estratégia de Saúde da Família, sendo que a grande maioria das pesquisas que compararam uma atenção básica tradicional e a atenção básica da Estratégia de Saúde da Família, quando ainda era possível comparar, sempre apontaram resultados mais positivos obtidos pela ESF, pelo seu enfoque comunitário, territorializado”, afirma Ligia, e completa: “Mas agora as equipes com profissionais contratados por 20 ou 30 horas, sem agentes comunitários de saúde, recebem incentivos financeiros idênticos aos das equipes da Estratégia de Saúde da Família”, diz a pesquisadora, fazendo referência às equipes de atenção primária, criadas por meio da portaria 2.539, de setembro de 2019.
Outro efeito do programa foi o fim das transferências direcionadas à implementação dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família, os Nasf, por meio dos quais as equipes de Saúde da Família tinham o apoio de profissionais como psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeuta e médicos com especialidades como a obstetrícia, homeopatia e geriatra, entre outros. “Isso tem produzido o desmantelamento de centenas de Nasf no nível municipal”, lamenta a pesquisadora da Ensp/Fiocruz, para quem o programa aposta na focalização e na seletividade da atenção primária. “As ações das equipes têm que atingir toda a população do território. Centenas de municípios somente têm serviços SUS em seus territórios, e atendem de fato toda a população. Considerar apenas a população cadastrada para os repasses federais, na prática, significa romper com a universalidade do SUS”, argumenta Lígia.
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Mariana também vê problemas na metodologia que leva em conta a tipologia usada pelo IBGE para classificação dos municípios no cálculo dos repasses. Para ela, isso acaba tendo um efeito homogeneizante na distribuição dos recursos. “A tipologia municipal prejudica grande parte dos municípios. Porque 80% dos municípios do país foram classificados como urbanos, sendo que o município urbano não tem um peso adicional na hora de calcular o valor do cadastro. Só que 80% dos municípios do país não são unívocos na sua caracterização, muito menos nas suas necessidades de saúde”, ressalta a assessora técnica do Cosems-SP, órgão que encaminhou um conjunto de propostas ao Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems) para que fossem discutidas no processo de pactuação das mudanças aprovadas no final de agosto. Entre elas estava a extinção do critério de ponderação pela tipologia municipal do IBGE do cálculo dos repasses. “Essa tipologia não dá conta de fazer uma classificação da diversidade de municípios que a gente tem no país, não compreende a diferença dos territórios de saúde”, avalia ela. E exemplifica: “Aqui no estado de São Paulo tem muito município super pequeno, que por conta de estar próximo a um grande centro urbano é classificado como urbano. Então já sai perdendo de início, porque o valor do seu cadastro vai ser menor quando comparado a um município rural, remoto, intermediário ou adjacente, que são as outras classificações da tipologia do IBGE que têm um peso diferente”.
Mariana alerta que ainda há muitas incertezas sobre as mudanças, uma vez que elas foram anunciadas sem que houvesse uma portaria oficial do Ministério. Um exemplo é o valor fixo pago por habitante aos municípios, que até agosto era de R$ 5,95. “Esse valor se encerra em agosto. Ficou pactuado na CIT um incentivo per capita, mas que não tem definição de valor, então pode ser menos do que R$5,95, pode ser mais, não sabemos”, destaca a economista. O Cosems-SP sugeriu que esse valor fosse aumentado para R$ 10.
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A definição é importante, segundo ela, uma vez que, a partir de setembro, com a nova portaria do Previne Brasil, as chamadas medidas atenuantes estabelecidas pelo Ministério da Saúde por conta da pandemia de Covid-19 por meio de portaria deixam de valer. Uma delas é o pagamento por potencial de cadastro aos municípios, e não pelos cadastros efetivamente realizados. A medida foi adotada por pressão dos municípios, por conta da dificuldade das equipes em cadastrar os usuários em meio às medidas de isolamento social. “Se os municípios deixarão de receber de acordo com o seu máximo de cadastros, passando a receber de acordo com aquilo que eles têm cadastrado de fato, eles podem ter um prejuízo. Mas não tem dado suficiente para que a gente possa estimar o impacto, porque isso vai depender muito do valor per capita que ainda será definido”, explica Mariana. Também ainda não há definição precisa sobre o valor que será pago sobre a diferença entre o potencial de cadastros e os cadastros efetivos, outra mudança anunciada pela CIT no final de agosto.
“[O Previne Brasil] é um modelo de financiamento que não dá a sustentabilidade política necessária, porque todos os recursos são variáveis e depende de adesão e de ampliação de oferta nos municípios, que são hoje os entes da federação que mais participam do financiamento do SUS”, afirma Mariana. E completa: “E ainda por cima tem mudança o tempo todo, com pouca transparência: em 2020 havia as medida de transição, esse ano teve medida atenuante, aí prorroga, não prorroga. Há muitas dificuldades na sua implementação”.
A reportagem do Portal EPSJV/Fiocruz solicitou ao Conasems um posicionamento sobre as mudanças pactuadas na CIT mas até o fechamento da reportagem não havia obtido resposta.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz
JASB - Jornal dos Agentes de Saúde do Brasil
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